sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Memórias da tropa (19): o levantamento de rancho...

Durante as seis semanas que durava o curso de minas e armadilhas, em Tancos, os aspirantes das diferentes Armas e serviços (infantaria, artilharia, cavalaria e polícia militar) «contemplados» com o «prémio» de um curso adicional, tomavam as refeições na chamada messe dos cadetes da escola prática de engenharia. Afinal, eram alunos como os outros e, de acordo com o comando da unidade, sendo quase oficiais de pleno direito, só não partilhavam a messe dos oficiais de engenharia e famílias porque o espaço «era curto». Em cursos anteriores, ainda lá podiam ir tomar café, mas um dia a benesse terá acabado, alegadamente porque os jovens aspirantes «não engenheiros» olhavam demasiado e com muita insistência para as senhoras dos oficiais de engenharia. Assim, lá partilhavam a refeição com os cadetes de engenharia, o que, diga-se de passagem, não fazia com que «os parentes lhes caíssem na lama». Por curiosidade, naquela altura, o jornal mais disputado e lido entre os alunos daquela escola era o novíssimo Expresso, que tinha sido lançado havia meia dúzia de meses. Quem o viu e quem o vê...
Um dia, o almoço tinha favas e entrecosto. Quando começaram a comer, as caras encolheram-se em caretas, pois, havia algo que sabia mal. Breve troca de impressões e alguém gritou: «Ninguém come, isto está estragado!». A maior parte dos comensais posou imediatamente os talheres e apoiou a orientação. Logo todos os aspirantes e cadetes levantaram-se e ficaram junto à mesa, participando no chamado «levantamento de rancho». Obviamente, o Aspirante alinhou com os demais. Grande confusão! O responsável da messe e o oficial-de-dia bem tentaram demover os jovens. Que não, que não comiam, pois a comida estava estragada. Queriam outra coisa. O tempo foi passando e os «grevistas» continuavam de pé junto às mesas. De repente, entrou o comandante da escola com um ar furioso. Olhando para as mesas onde estavam os aspirantes do curso de minas e armadilhas, o coronel-engenheiro disse: «Garotões, não sabem manter a dignidade do posto!». Virando-se para os cadetes, acrescentou: «E de vocês, quem vos vai tratar da saúde sou eu!». Dito isto, saiu direito à cozinha, seguido dos responsáveis da messe. Os jovens mantiveram-se no lugar, sem ceder. Passado uns dez minutos, o oficial-de-dia veio à sala e ordenou que o pessoal esperasse no exterior. Ia ser preparada outra comida. Os aspirantes e os cadetes suspiraram de alívio. Afinal, a unidade demonstrada tinha dado frutos. E faltava menos de um ano para o 25 de Abril.

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