sexta-feira, 9 de abril de 2010

Memórias da tropa (32): o paludismo e o padre...

9 de Abril de 1974. O Alferes tinha «escapado» ao paludismo durante seis meses. É verdade que tomava sempre os comprimidos de resoquina do Laboratório Militar. Como todos os outros medicamentos, também estes tinham inscrito a marca LM, o que levava alguns soldados a afirmar que eram sempre os mesmos comprimidos, fosse qual fosse a doença. Para além das pílulas que eram, religiosamente distribuídas à tropa, o Alferes, também, aproveitava todo o quinino disponível na água tónica com que acompanhava o gin. Porém, naquele dia, o Alferes não escapou às febres e ficou de cama a tremer de frio, como se o Colonato fosse na Sibéria. Foi um dia que ficou para sempre na memória. Por duas razões. A primeira, porque neste mesmo dia, mas em 1918, teve lugar a célebre batalha de La Lys, em França, na qual a tropa portuguesa teve 7500 baixas, frente a uma ofensiva alemã com cerca de 50 000 militares. A segunda, porque, ao anoitecer, um soldado africano, já muito «liambado», desatou aos tiros em todas as direcções a partir do posto onde estava de sentinela. Com muito custo, lá foi desarmado e encarcerado passadas algumas horas de muita conversa, choro, ameaças e tiros. No dia seguinte, a Companhia recebeu uma visita especial do alferes-capelão, um padre do Porto, que ainda hoje está numa paróquia da Cidade Invicta. A PIDE tinha-o classificado como «politicamente suspeito» e, se ele não tivesse acedido a ir para a tropa como capelão, teria sido chamado a cumprir o serviço militar como qualquer mancebo. As deslocações do capelão às Companhias eram regulares, mas, desta vez, tinha como objectivo dar apoio moral, não só ao soldado «exaltado», mas também ao pessoal que se viu envolvido naquele susto. Toda a gente – crente ou não crente - gostava do capelão. Era, de facto, uma pessoa excepcional, muito humana e amiga, que não procurava «catequizar» quem não estivesse para ai virado. Todos os meses ia ao Colonato dar missa, à qual assistiam militares, colonos e uma pequena parte da população nativa, pois a esmagadora maioria praticava uma religião evangelista muito vulgar no Uíge, chamada tocoísmo. Dos seis oficiais da Companhia, só um costumava assistir à missa e, apenas, no período em que a esposa esteve «na tropa». O alferes-capelão passou o dia com o pessoal. À noite, jantou na messe, passou o serão em tertúlia «líquida» com os oficiais da Companhia, incluindo o Alferes, embrulhado num cobertor. Chegada a sua hora, cansado, o alferes-capelão recolheu-se ao quarto que lhe tinha sido destinado. Já dormia a «sono solto», quando um barulho enorme dentro do quarto o fez acordar: «Ai, minha Nossa Senhora, o que se passa?», gritou estremunhado. A resposta foi uma risota pegada. Já sob o efeito dos «antídotos» para o paludismo e afins, os alferes decidiram atirar um grande pedaço de árvore para o interior da divisão onde o capelão dormia. O bom do padre ia desmaiando de susto…

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