quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Memórias da tropa (24): os pombos do administrador...

No Colonato havia um posto administrativo, uma espécie de «junta de freguesia» colonial. Era chefiado por um funcionário designado administrador de posto e dispunha de uma dezena de cipaios, que era uma força «aparentada» com a polícia. O funcionário, com cerca de 40 anos, natural de Alcobaça, era um indivíduo bastante aberto que, com relativa facilidade foi ganhando a simpatia dos oficiais da Companhia. Tornou-se hábito, então, a presença do administrador de posto na messe após o jantar para tomar café e conversar, religiosamente às segundas, quartas e sextas. Os oficiais nunca perceberam bem se haveria ali uma segunda intenção ou não. Na realidade, nunca estes se coibiram de falar à vontade, criticando o próprio Regime. O administrador de posto alinhava nessas críticas, embora mais moderadamente, dando a entender que provinha de uma família ligada a sectores republicanos oposicionistas lá no distrito de Leiria. Para completar o serão e acompanhar a tertúlia de bebidas e conversa, o administrador de posto trazia sempre a sua telefonia de ondas curtas, com a qual se podia ouvir o que se passava fora daquele Vale imenso onde corria o rio citado por Sérgio Godinho numa das suas canções, a propósito das famosas laranjas que aí abundavam. O funcionário colonial tinha, porém, outro entretém: criava pombos! Ora, o «Manuel», soldado vilafranquense que prestava serviço na messe como impedido do capitão, tinha uma embirração doida com os pombos do administrador de posto: que sujavam a entrada da cozinha, que esgravatavam nos caixotes do lixo, etc. Um dia, teve por ideia dar alguma «utilidade» aos pombos. Então, com um recipiente metálico feito de metade de um bidão de 200 litros, um pau, um cordel grosso e milho, começou a «caçá-los» no recinto das traseiras junto à porta da cozinha. E assim, os oficiais passaram a ter na dieta, um vez por semana, «canjinha de pombo»! Ao saber a proveniência das aves, o capitão deu um ralhete ao «Manuel», mas, também, instruções para que só servisse a «canjinha de pombo» fora dos dias das visitas «programadas» do dono. Um dia, estavam os oficiais a comecer a «canjinha», quando subitamente, sem ser segunda, quarta ou sexta, aparece o administrador de posto: «Ora viva, dão-me licença?». Instintivamente, o capitão respondeu: «Entre, entre, esteja à vontade.». Diz o outro: «Obrigado. Cheira tão bem, estão a comer o quê?». Os oficiais entreolharam-se e pararam de comer durante dois segundos. Afinal, estavam a jantar os pombos do homem e sem ele saber. Diz o Alferes, muito rapidamente: «É servido?» Todos olharam para o «fornecedor do jantar», que respondeu: «Não obrigado! Já jantei. É pombo, não é? Vejam lá que tenho tantos e nunca me dá para os comer. Qualquer dia vou experimentar.». No meio do silêncio que se instalou, só se ouvia o barulho das colheres e um «pensamento» quase unânime: «Não os comas depressa, não...»

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