quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Memórias da tropa (1): a visita do PIDE...

A Companhia acordou em sobressalto. Um colono, homem de cerca de 40 anos, mau feitio, temente aos pais, transmontanos de gema, com quem vivia, apareceu no Colonato de madrugada, roto, sujo, com ferimentos ligeiros. Contou que, ao regressar da povoação vizinha, já de noite, foi atacado por um grupo de guerrilheiros chefiado por um famoso, de grandes barbas e sem um braço. Em consequência, a «pick-up» voltou-se, tentaram sodomizá-lo, mas, por fim, lá conseguiu fugir. No final da manhã já estava em acção uma esquadrilha de hélis All III, com pára-quedistas e tudo, que fizeram embarcar o sujeito, de modo a que identificasse o local do ataque para que lhes fosse dada a «caça adequada». Naturalmente, o «fru-fru» foi imenso, pois há quatro anos que não havia notícia de qualquer movimento do género naqueles 30 quilómetros de pó, pedras e buracos que separavam a Companhia e o Colonato da localidade onde estava sedeado o Batalhão. Porém, da esquadrilha nada foi detectado, excepto a viatura do Colono, voltada e a ser socorrida por um pelotão da Companhia. No dia seguinte, os quatro alferes, incluíndo o médico, estavam na varanda da messe a beber os habituais aperitivos antes do almoço. Nada de especial, uns gins tónicos e uns uísques com castelo. Viram o jipe do capitão a chegar com um passageiro à civil. O capitão apresentou o desconhecido, receando embora alguma reacção dos oficiais: «o senhor Fulano-de-Tal, da direcção-geral de Segurança, que vem almoçar connosco». Surpresa! «muito gosto», foi tudo quanto o pide ouviu dos alferes. Chamados para a mesa, o capitão sentou-se no lugar habitual, à cabeceira e deu a direita ao visitante. Os alferes entreolharam-se para ver quem se sentava primeiro e onde. O médico sentou-se à esquerda do capitão. Os três restantes sentaram-se ao lado deste, tendo deixado vago, exactamente o lugar junto do pide. Uns olhares constrangidos, silêncio, e o capitão lá deu início à refeição. Faltava, no entanto, o quinto alferes, que estava de oficial-de-dia. Chegou logo a seguir. Procurou lugar vago e foi com a maior cara de desalento que verificou que o lugar vago era, exactamente ao lado do pide. Comeu e inventou uma desculpa para se levantar da mesa rapidamente. A propósito, depois de uma conversazinha com o pide, o Colono lá admitiu que, afinal, com a bebedeira tinha virado sózinho a «pick-up»...

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